RITA BRAGATTO – Foi no enterro do meu marido. Eu estava em estado de choque. Totalmente debilitada – física e emocionalmente. Já tinha recebido inúmeros cumprimentos afetuosos. Palavras de apoio. De carinho. De esperança. Mas me lembro muito bem: foi do amigo jornalista, Jair Italiani, que recebi, de forma prática, uma das mais lindas lições de empatia que eu tive na vida. Segurando minhas mãos com todo cuidado e olhando profundamente em meus olhos, ele me disse: “sem legenda, Rita”. Ou seja, ele “calçou os meus sapatos” e concluiu que o silêncio era a melhor forma de me acolher. Não há palavras que traduzam o nosso sentimento diante de situações extremas. De uma dor tão grande.

Eu trouxe essa lição para a minha vida. Já a coloquei em prática algumas vezes. E hoje, também a compartilho com meus pacientes, em consultório. Não são poucas as vezes que escuto: “O que eu vou falar para o meu pai quando encontrá-lo depois de dez anos de ausência?”; “O que eu digo para minha mulher para que ela me perdoe?”; “O que eu falo para o meu filho quando ele volta das sessões de quimioterapia?”. Nestas situações muito delicadas, limítrofes, minha resposta é quase sempre a mesma: “Coloque-se diante desta pessoa. Olhe bem nos olhos dela. Transmita todo seu amor pelo olhar. Não é preciso dizer nada.” É na escassez da palavra falada que os pensamentos dialogam e as almas conversam. A empatia surge neste espaço de silêncio e preenche todas as lacunas.

Empatia tem origem no termo grego “empatheia”, que significa “emoção, sentimento”. Pressupõe uma comunicação afetiva e consiste em compreender sentimentos e emoções, procurando experimentar, de forma objetiva e racional, o que sente o outro indivíduo.

Para ser empático é preciso ultrapassar as barreiras do egoísmo. Do preconceito. Ou do medo do que é desconhecido ou diferente. Para que uma pessoa consiga exercer a empatia é preciso retirar a atenção dos seus próprios problemas e manter foco e atenção na outra pessoa. Por isso, ela está diretamente ligada ao altruísmo – amor e interesse pelo outro – e à capacidade de ajudar.

O bom é que podemos exercitar este silêncio empático em todos os tipos de relacionamentos humanos: nas relações familiares, nas amizades, no ambiente de trabalho e até mesmo com pessoas desconhecidas. É um sentimento indispensável para melhorar a qualidade da comunicação e do relacionamento entre as pessoas.

Marina & Ulay

Um exemplo lindo do poder do silêncio como forte demonstração de empatia é o vídeo de viralizou nas redes sociais em 2010. Trata-se do reencontro da artista performática, Marina Abramovic, e Ulay, seu ex-companheiro, que aconteceu durante a exposição “The Artist is Present” (“A artista está presente”), no MoMa, em Nova York. (Você pode assiti-lo acessando o link: https://www.youtube.com/watch?v=OS0Tg0IjCp4&fbclid=IwAR0ofFchcPjFzqzsAz3_xoKVtQfScOz8TUADLmY0bpHjHX6NHu1zj-nQIjM&app=desktop).

Na performance, a artista convidou o público a se sentar à sua frente para compartilhar alguns minutos de silêncio. Muitas pessoas choravam só com o contato visual enquanto outra chegou a ficar sete horas na sua frente.

Ulay apareceu sem avisar e o registro é realmente tocante, pois foi o primeiro encontro deles desde a separação. Eles viveram e trabalharam juntos por 12 anos e se separaram em 1988. Quando seus olhares se cruzaram, a artista não se conteve em lágrimas e esse momento foi o único em que Marina esboçou emoção.

O que boa parte das pessoas não sabe é que aquela cena foi somente a ponta do iceberg de uma história longa e intensa, com alegrias e tristezas e que ficou eternizada no silêncio daqueles minutos entre os dois. Qualquer coisa dita naquele instante seria infinitamente menor do que os pensamentos que os consumiam e que não foram revertidos em fala.

Marina era filha de católicos e heróis da Segunda Guerra Mundial. Ulay era filho de um soldado nazista. Eles se encontraram em 1975. A química entre eles foi imediata, de acordo com o próprio relato da artista. Eles se diziam um só corpo (nascidos no mesmo dia, em anos diferentes), feito de duas cabeças, mas com o mesmo propósito artístico.

Juntos, produziram arte durante 12 anos nômades, entre 1976 e 1988, viajando em um trailer. Ulay resolveu terminar a relação devido à total dedicação de Marina à sua carreira artística e a não vontade de formar uma família com filhos. Em 2003, Marina revelou que o término aconteceu também por causa de uma traição de Ulay e que ele ficou com todas as obras depois da separação, tornando sua vida um inferno.

Segundo Marina, ela só conseguiu recuperar as obras comprando tudo de Ulay de novo. E assim, depois deste término doloroso, eles ficaram sem se ver durante 22 anos. Até o momento da preparação para a exposição no MoMa, relatado no vídeo.

Será que eles tinham coisas a dizer um ao outro? Certamente, sim! Mas a reação de ambos diante daquele silêncio comprova que era inútil qualquer legenda. Que palavra poderia traduzir aquele turbilhão de emoções e sentimentos?

Espero que, ao compartilhar a minha história e a de Marina e Ulay você fique um pouco mais atento(a) ao exercitar a empatia diante da dor do outro. E que, realmente, entenda que não é preciso urgência para quebrar aquele silêncio incômodo. Na maioria das vezes, os olhos trocam as melhores e mais cúmplices confidências. Falam a língua do coração. E isso é tudo o que a gente precisa ouvir e sentir naquele momento.

Rita Bragatto é psicanalista e jornalista
Email: rita.bragatto@gmail.com
Facebook: https://www.facebook.com/rita.bragatto.escritora/

Texto publicado inicialmente em https://terceiramargem.org/2019/08/28/sem-legenda/